Amanhã é Dia dos Namorados e talvez esse seja um bom momento para pensarmos juntos sobre o que é, afinal, amar. Não no sentido idealizado que tantas vezes vemos por aí, mas de um jeito mais honesto, mais profundo. Algo que vai além das flores, presentes e jantares à luz de velas. Quero convidar você a refletir comigo sobre uma questão que atravessa não só os relacionamentos amorosos, mas também o modo como nos colocamos no mundo: como encontrar o equilíbrio entre o amor-próprio e o amor ao outro?

Na clínica, e na vida também, escuto com frequência relatos de pessoas que se doam demais nas relações e acabam se perdendo de si. Outras, por medo de se machucar, constroem muros tão altos que o amor sequer encontra espaço para entrar. E muitas vezes, essas formas de amar carregam histórias antigas, feridas que ainda não cicatrizaram, fantasias de abandono ou a esperança inconsciente de, um dia, finalmente ser amado como se precisa.

A verdade é que amar não é simples. Todos nós, em algum nível, já nos perguntamos: “Será que estou cuidando de mim ou estou sendo egoísta?”, “Será que estou me doando ou estou me anulando?”. Encontrar o meio do caminho entre essas duas pontas, o cuidar de si e o se abrir ao outro, é um desafio constante.

O amor-próprio não é sobre se bastar completamente, como muitas vezes se prega por aí. Também não é sobre se colocar acima de todos. É sobre estar em contato com aquilo que se sente, reconhecer as próprias necessidades, saber dizer “não” quando é preciso, sustentar limites. Quando estamos mais inteiros, mais conectados com quem somos, conseguimos estar com o outro de maneira mais leve, sem tanta exigência, sem nos moldar completamente ao desejo alheio.

E amar o outro, por sua vez, não significa se apagar. Significa poder olhar para essa pessoa como alguém separado de nós, com sua história, seus tempos, seus jeitos. É poder estar junto sem tentar controlar, é conseguir escutar sem desaparecer. O amor ao outro não precisa ser à custa de si mesmo.

Talvez o equilíbrio esteja justamente aí: em perceber quando estamos saindo de nós para manter alguém, ou quando estamos tão protegidos que já não deixamos mais ninguém se aproximar. É um movimento sutil, um ajuste fino que acontece o tempo todo. E tudo bem se nem sempre acertamos. O importante é estarmos atentos, abertos a nos escutar e a nos perguntar: como eu tenho me amado? E como eu tenho amado o outro?

Neste Dia dos Namorados, mais do que falar de amor romântico, quero propor esse olhar mais íntimo. Que a data sirva também como convite ao autoconhecimento, à honestidade consigo e à construção de relações mais verdadeiras, com o outro, mas principalmente com você mesmo.

Com carinho,
Psico Andressa.

Falar sobre o transtorno bipolar é, antes de tudo, escutar o sofrimento que insiste em não se encaixar nas formas esperadas. Ainda que seja uma condição clínica nomeada pela psiquiatria, ela nos convida — enquanto analistas — a escutar para além do diagnóstico.

A seguir, compartilho cinco pontos importantes que podem ajudar a refletir sobre essa experiência psíquica tão complexa, à luz de uma escuta que considera a singularidade de cada sujeito.

1. Não se trata apenas de oscilações de humor
É comum que o termo “bipolar” seja usado de forma banal no cotidiano, como sinônimo de alguém instável ou “de lua”. No entanto, o transtorno bipolar envolve vivências psíquicas intensas e radicais, que não se explicam apenas pela ideia de mudança de humor. Na mania, muitas vezes vemos uma tentativa desesperada de se manter funcionando, mesmo quando o mundo interno parece prestes a se despedaçar. Na depressão, pode haver uma queda na capacidade de existir, como se a continuidade do ser estivesse ameaçada.
Winnicott diria que, nessas experiências, há uma falha no ambiente suficientemente bom em algum ponto da história — e o sujeito, para sobreviver, desenvolve formas extremas de organizar seu funcionamento psíquico.

2. Cada caso é único — e o diagnóstico é apenas um recorte
A classificação entre bipolar tipo I, tipo II ou ciclotimia pode ter sua utilidade clínica, mas não dá conta da totalidade do sujeito. Na clínica, lidamos com histórias, não com rótulos. Cada estrutura é atravessada por vivências precoces, traumas, falhas ambientais, defesas e tentativas de reparação. O diagnóstico, portanto, pode ser um ponto de partida — mas nunca deve ser um ponto de chegada.

3. O tratamento vai além do controle dos sintomas
O cuidado com o transtorno bipolar exige mais do que medicamentos. Exige espaço psíquico. Exige presença. Exige escuta.
Na perspectiva winnicottiana, o trabalho analítico se dá como uma experiência emocional corretiva: o analista oferece um ambiente suficientemente bom, onde o sujeito possa retomar o contato com sua espontaneidade, com seu gesto verdadeiro, com aquilo que foi perdido ou nunca pôde ser vivido. Em muitos casos, a instabilidade emocional é um grito por sustentação psíquica — e não apenas um “desequilíbrio químico”.

4. O sofrimento psíquico precisa ser legitimado
Quantas vezes essas pessoas escutam que estão “exagerando”, “dramatizando” ou que “é só pensar positivo”? Uma das violências mais silenciosas que o sujeito bipolar sofre é o apagamento de sua dor. Há uma dificuldade social em sustentar a ambivalência, o excesso, a intensidade. No entanto, só é possível transformar algo quando esse algo é primeiro reconhecido.
Na análise, o sujeito encontra a possibilidade de existir sem precisar performar estabilidade. Ali, ele pode oscilar, regredir, colapsar — e ainda assim ser acolhido. Como diria Winnicott, o verdadeiro self só se desenvolve quando encontra um ambiente que o suporte em sua vulnerabilidade.

5. O vínculo cura mais do que qualquer técnica
Ainda que a medicina tenha um papel essencial no tratamento do transtorno bipolar, especialmente na regulação do sono e do humor, é a experiência de vínculo que promove transformação subjetiva. O ambiente analítico, com sua constância, sua disponibilidade e seu não-julgamento, pode se tornar aquele espaço em que o sujeito se reencontra consigo mesmo — não como alguém “bipolar”, mas como alguém que sente, que luta, que resiste.

6. Um dos maiores desafios clínicos — e uma das experiências mais potentes
Na experiência clínica, o paciente com transtorno bipolar é, muitas vezes, um dos mais desafiadores — senão o mais desafiador — que chega ao consultório. Não por ser “difícil”, mas porque ele nos confronta com a oscilação constante entre excesso e vazio, entre o tudo e o nada, entre o agir impulsivo e o colapso do desejo.
É preciso estar muito presente para sustentar o vínculo quando ele está em estado maníaco e não vê sentido em estar ali, ou quando mergulha em uma depressão profunda e mal consegue falar. É preciso suportar o não-saber, o caos, o cansaço e, muitas vezes, a sensação de impotência.
Mas também é verdade que, quando esse vínculo se sustenta — mesmo nos momentos mais difíceis —, algo muito transformador pode emergir. Porque o sujeito bipolar, quando encontra um espaço onde pode ser atravessado pela própria verdade sem ser corrigido ou silenciado, nos ensina sobre a potência de viver entre extremos, e sobre o valor de uma escuta que não desiste.

Falar sobre o transtorno bipolar é também falar sobre o desafio de habitar um mundo interno que, às vezes, não encontra lugar no mundo externo. E é nisso que a psicanálise, com sua escuta ética e implicada, pode oferecer: um espaço onde a dor tem direito de existir, sem precisar ser negada, medicada ou silenciada imediatamente.

Hoje eu quero conversar com você sobre um tema que muita gente conhece pelo nome, mas nem sempre entende no sentido mais profundo: o narcisismo. A gente ouve muito esse termo por aí — geralmente usado pra descrever alguém vaidoso, egocêntrico ou “cheio de si”. Mas será que é só isso mesmo?

Na psicanálise, o narcisismo tem uma trajetória bem interessante. Tudo começa com Freud, que foi o primeiro a falar sobre isso de forma mais estruturada. Ele percebeu que o narcisismo faz parte do desenvolvimento de todos nós — ou seja, não é “coisa de gente complicada”, como costumam dizer por aí.

Freud propôs a ideia de que existe um narcisismo primário, que acontece nos primeiros momentos da vida, quando o bebê ainda está se descobrindo como sujeito. Nesse momento, toda a energia psíquica dele — o que a psicanálise chama de libido — está voltada pra si mesmo. É aquele momento em que o bebê se encanta com sua própria imagem, como se estivesse dizendo: “eu sou incrível!”. E tá tudo certo, porque é assim que o ego começa a se formar.

Com o tempo, esse narcisismo vai se transformando. A criança começa a direcionar sua atenção e afeto para o mundo ao redor — para os pais, cuidadores, e outras pessoas importantes. Mas quando as coisas não vão bem — quando há frustração, perda ou dor emocional — essa energia pode voltar toda pro “eu” de novo. É o que Freud chamou de narcisismo secundário. Em alguns casos, isso pode acabar gerando dificuldades na forma como a pessoa se relaciona com os outros ou com ela mesma.

Outros psicanalistas também foram ampliando esse olhar. Melanie Klein, por exemplo, trouxe contribuições importantes ao pensar no narcisismo dentro dos primeiros vínculos da vida. Segundo ela, desde muito cedo, a forma como a gente é acolhido e cuidado influencia muito na maneira como vamos desenvolver nossa autoestima e nossa relação com o outro.

Winnicott, outro nome que eu adoro trazer pra conversa, falava da importância de um “ambiente suficientemente bom” — ou seja, um ambiente em que a criança se sente segura, amada e reconhecida. Quando isso acontece, o narcisismo vai se equilibrando de uma forma saudável. Mas quando esse ambiente falha muito, a criança pode acabar criando defesas, máscaras, e se afastando da sua autenticidade pra se proteger.

E hoje em dia? Bem, o narcisismo continua sendo um tema super atual. Cada vez mais falamos sobre autoestima, amor-próprio, autoconhecimento… Tudo isso tem a ver com o narcisismo. E vale lembrar: ele não é bom nem ruim por si só. Ele pode ser saudável — quando nos ajuda a nos valorizar, a nos cuidar — ou pode se tornar problemático, quando vira rigidez, dificuldade de escutar o outro ou necessidade constante de admiração.

O que eu acho mais bonito na visão psicanalítica é que ela nos convida a olhar pro narcisismo com mais profundidade e menos julgamento. Em vez de rotular, a gente tenta entender de onde vêm essas formas de ser, o que está por trás de certos comportamentos, quais dores estão escondidas ali.

No fim das contas, falar de narcisismo é falar sobre a forma como nos construímos, como nos sentimos no mundo e como nos relacionamos com os outros. E isso, convenhamos, diz respeito a todos nós 😉

Como muita gente já sabe, as bonecas reborn são réplicas super realistas de bebês, têm peso, textura e aparência bem parecidas com as de um recém-nascido. Algumas custam caro, chegam a valer centenas ou até milhares de reais, e quem tem uma costuma cuidar como se fosse de um bebê de verdade: dá banho, troca fralda, escolhe roupinha…

Meu primeiro contato com uma bebê reborn foi com uma vizinha do prédio onde eu morava em São Paulo. Ela era colecionadora e fazia bonecas lindíssimas. Mas uma coisa me chamava a atenção: só ela podia entrar no quarto onde guardava as bonecas. As netas, por exemplo, não podiam nem chegar perto. Ela dizia que aquele era um espaço onde colocava muito afeto. Na época, não dei muita importância, mas, agora que esse tema voltou à tona, me lembrei desse caso e fiquei pensando: será que um objeto de coleção pode virar uma forma de conforto? Uma maneira simbólica de viver a maternidade?

Em grupos de pessoas que cuidam de reborns, a gente encontra histórias diversas. Tem mulheres que passaram por perdas gestacionais, outras que não puderam ter filhos, e também aquelas que simplesmente gostam de cuidar. Para muitas, o vínculo que criam com a boneca é verdadeiro e pode, sim, ser terapêutico, mesmo que pareça incomum.

Mas é importante prestar atenção para que isso não vire uma substituição problemática. A boneca pode ter um valor simbólico, ajudando a pessoa a lidar com algo que ela ainda não conseguiu elaborar por completo. Porém, quando esse uso deixa de ser simbólico e começa a se confundir com a realidade, a ponto de substituir relações humanas, provocar isolamento, ou gerar comportamentos compulsivos como dar banho e trocar a boneca várias vezes por dia só para aliviar a ansiedade, é hora de olhar com mais cuidado. Especialmente se houver alguma perda de contato com a realidade, como acreditar que a boneca é mesmo um bebê.

Vivemos tempos de muita ansiedade, vínculos frágeis e individualismo. Nesse cenário, o cuidado com uma boneca reborn pode ser tanto um jeito legítimo de buscar afeto, quanto uma tentativa simbólica de reorganizar alguma dor interna. Buscar acolhimento em um “relacionamento” que é, no fundo, sintético pode parecer estranho à primeira vista, mas talvez seja justamente um gesto de esperança. Uma forma delicada de se proteger do peso do mundo.

A gente vive num tempo em que parece que tudo pode ser calculado, medido e previsto. A Inteligência Artificial está aí, cada vez mais presente no nosso dia a dia – desde a playlist que o Spotify monta pra gente até o chat que conversa como se fosse uma pessoa. Quem te garante que este texto aqui mesmo não foi escrito por uma IA, hein? Pois é. No meio de toda essa bagunça, onde fica a subjetividade? E mais ainda: será que o inconsciente tem algum lugar nesse mundo movido a dados?

A psicanálise parte justamente do princípio de que o sujeito não é transparente pra si mesmo. A gente não se conhece totalmente, tem desejos que escapam, tem repetições que a gente nem percebe, tem traumas que se manifestam de formas tortas. E o inconsciente, esse campo cheio de contradições, escorregões e lapsos, não segue lógica de máquina. Ele não é previsível, não cabe num algoritmo.

Enquanto a IA tenta nos ler a partir do comportamento – o que curtimos, o que buscamos, o que compramos – a psicanálise escuta o que não aparece de cara, aquilo que se insinua no meio do discurso. Ou seja, enquanto os algoritmos funcionam com padrões, a escuta psicanalítica aposta naquilo que escapa do padrão. É nesse ponto que a subjetividade se distingue: não somos só dados, somos falta, somos história, somos desejo.

Tem um risco quando a gente começa a acreditar demais que a IA nos conhece melhor do que nós mesmos. Parece tentador, né? Uma tecnologia que diz o que você quer, do que gosta, até o que sente. Mas será que ela dá conta da complexidade que é um sujeito? Será que ela reconhece o sintoma, o recalque, o desejo que não se realiza?

Claro que a IA tem seu lugar e pode ajudar em muita coisa, inclusive em ferramentas na área da saúde mental. Mas é diferente de escutar o sujeito. O seu tom de voz e suas insinuações. A tecnologia não interpreta sonho, não capta um choro contido, não sente o silêncio cheio de sentido que pode surgir numa sessão.

Então, sim: ainda há (e sempre haverá) espaço para o inconsciente. Mesmo na era dos algoritmos, ele continua operando – nos nossos conflitos, nas nossas relações, nas nossas escolhas que parecem sem sentido. E talvez o papel da psicanálise hoje seja justamente esse: lembrar que o humano não é totalmente decifrável, que há algo que escapa a qualquer sistema, e que é nesse resto que se revela o mais singular de cada um.

Com muitas emoções fluindo, psico Andressa Américo 😉

Quantas vezes você já sentiu um aperto no peito, uma dor no estômago ou uma tensão muscular sem causa aparente? Em muitos casos, exames médicos não apontam nenhuma alteração física, mas o desconforto persiste. É como se o corpo estivesse tentando dizer algo que a mente não consegue expressar. Esse fenômeno é conhecido como somatização — quando emoções reprimidas encontram uma forma de se manifestar através do corpo.

Na correria do dia a dia, somos ensinados a engolir o choro, a disfarçar a tristeza e a seguir em frente como se tudo estivesse bem. Não há tempo, nem espaço, para parar e sentir. Só que aquilo que não é vivido ou nomeado emocionalmente não desaparece. Ao contrário, se acumula. E muitas vezes, quando não encontra saída pela palavra, escapa pelo corpo.

Dores de cabeça recorrentes, crises de ansiedade, insônia, gastrites e outros sintomas físicos sem uma explicação médica concreta podem ser a expressão de conflitos psíquicos não elaborados. O corpo, nesse sentido, não está “doente” no sentido tradicional, mas está sinalizando que algo dentro de nós precisa ser olhado com mais cuidado.

A psicanálise entende o sintoma como uma tentativa de comunicação. Ele não está ali por acaso, nem é apenas um incômodo a ser eliminado. É um sinal, um pedido de escuta. Quando o sujeito começa a falar sobre o que sente, mesmo que no início não saiba exatamente o que é, abre-se um caminho para que esses sintomas comecem a perder força. Ao nomear o que dói, cria-se espaço para a elaboração psíquica daquilo que antes estava sufocado.

Não se trata de dizer que toda dor física tem origem emocional. Mas é importante reconhecer que, muitas vezes, o corpo entra em cena porque a mente está sobrecarregada. Quando isso acontece, buscar ajuda profissional, como o acompanhamento psicanalítico, pode ser fundamental. A escuta clínica não cura com receitas prontas, mas permite que o sujeito encontre suas próprias palavras, ressignifique suas dores e compreenda melhor o que se passa dentro de si.

Escutar o corpo é, no fundo, escutar a si mesmo. É reconhecer que nossos sintomas falam, e que silenciar sentimentos não nos protege — apenas desloca a dor de um lugar para outro. Quando damos voz ao que está guardado, abrimos a possibilidade de viver de forma mais inteira, mais leve e mais verdadeira.