Vivemos em uma época em que tudo precisa ser rápido: comida pronta em minutos, mensagens que chegam em segundos, resultados imediatos. Nesse ritmo acelerado, muitas pessoas chegam à psicanálise esperando algo parecido: uma técnica que resolva seus conflitos em poucas sessões, quase como um “remédio emocional”. Mas a psicanálise não funciona assim — e justamente aí está a sua força.

Enquanto outras abordagens podem se concentrar em eliminar sintomas, a psicanálise entende que o sintoma fala de algo. Ele é uma mensagem do inconsciente, uma forma de expressão que merece ser escutada. Silenciá-lo às pressas seria como desligar o alarme de incêndio sem verificar se há fogo na casa. O sintoma incomoda, claro, mas também aponta para questões mais profundas que não desaparecem apenas porque queremos que sumam.

O processo analítico respeita o tempo de cada sujeito. O inconsciente não opera na lógica da velocidade e, por isso, a psicanálise não acredita em soluções instantâneas. As mudanças acontecem pouco a pouco, através da fala, das repetições, dos silêncios e até das pausas que parecem não dizer nada. Cada pessoa tem seu próprio ritmo de elaboração e é nesse percurso que algo de verdadeiramente transformador pode surgir.

Prometer uma “cura rápida” pode até trazer alívio imediato, mas geralmente superficial. O que não foi elaborado tende a retornar, e o sujeito se vê novamente diante das mesmas questões, só que de outra forma. A psicanálise não promete milagres, mas oferece um espaço em que a verdade de cada um pode aparecer, abrindo novas possibilidades de lidar com o que antes parecia impossível.

No fim das contas, a psicanálise não aposta na pressa, mas no compromisso: compromisso com a palavra, com a singularidade do sujeito e com o tempo que cada um precisa para atravessar a própria história. Não se trata de apagar sintomas, mas de se transformar no modo de viver e se relacionar consigo mesmo e com os outros. E isso, inevitavelmente, leva tempo.

Você já reparou como, muitas vezes, é na véspera da prova que bate a preguiça, ou no dia da entrevista que surge uma desculpa para não ir? Quantas dietas foram adiadas para a “segunda-feira que vem”? Quantos relacionamentos promissores você deixou escapar por achar que “não era a hora”? A autossabotagem pode parecer um tropeço bobo, mas talvez seja, na verdade, uma forma disfarçada de se proteger. A pergunta é: proteger-se de quê?

O inconsciente age como aquele amigo superprotetor que não deixa você atravessar a rua sozinho. Ao se sabotar, você evita riscos: a vergonha de errar numa apresentação, a dor de não ser correspondido, ou até o incômodo de assumir responsabilidades novas. É como quando alguém tem medo de dirigir: em vez de encarar, a pessoa prefere nunca aprender. Assim, evita o perigo — mas também perde a liberdade. A sabotagem protege, mas aprisiona.

Cada pessoa carrega seus “bichos-papões”. Para uns, é o medo da crítica: aquele congelamento que aparece quando o chefe pede uma ideia nova. Para outros, é o medo do abandono: melhor não se envolver a fundo em um relacionamento do que correr o risco de sofrer de novo. Há ainda quem se proteja do vazio: finalmente conseguir um emprego dos sonhos pode revelar que a felicidade não é instantânea como se imaginava. A autossabotagem, nesses casos, funciona como um escudo invisível.

Quando você esquece um compromisso importante, enrola para entregar um projeto ou larga a academia na primeira semana, não é só “preguiça” — pode ser o seu inconsciente dizendo algo. A sabotagem, nesse sentido, é uma mensagem disfarçada: “aqui existe uma ferida, um medo, uma história não resolvida”. A psicanálise ajuda a traduzir essa mensagem e entender do que você está realmente tentando se proteger.

Imagine alguém que nunca entra na piscina por medo da água fria: essa pessoa também nunca vai sentir o prazer de nadar. Viver se sabotando é um pouco assim. Pode até parecer mais seguro desistir antes de tentar, mas isso também rouba as chances de experimentar conquistas, amores, criações e mudanças reais. A questão não é abolir toda forma de proteção — é aprender a diferenciar quando ela ainda é necessária e quando já virou prisão.

No fundo, se sabotar é uma forma de dizer: “não estou pronto”. Mas talvez seja justamente na travessia do risco que a gente descubra que nunca estará 100% pronto — e que está tudo bem assim.

Quer que eu finalize esse texto com um parágrafo de fecham

“Beijinho no ombro pro recalque passar longe…” — há alguns anos, essa música estava na boca do povo, e junto com ela a palavra “recalque” ganhou popularidade. O problema, para nós psicanalistas, é que ela passou a ser usada como sinônimo de inveja ou despeito, quando na verdade, na psicanálise, seu significado é muito mais profundo e complexo.

Freud definiu o recalque como um mecanismo de defesa do inconsciente. Ele atua como um porteiro invisível, barrando a entrada de conteúdos que provocam ansiedade, vergonha ou culpa. São pensamentos, sentimentos ou desejos que entram em conflito com a nossa autoimagem ou com as regras e valores que internalizamos ao longo da vida. Só que esses conteúdos não somem — eles são empurrados para o inconsciente e, mais cedo ou mais tarde, encontram formas disfarçadas de retornar.

É justamente aí que entra a ligação com o famoso “eu sou assim mesmo”. Essa frase, que à primeira vista soa como autoconfiança, muitas vezes funciona como uma blindagem contra qualquer reflexão mais profunda. É como se, ao pronunciá-la, a pessoa erguesse um muro para se proteger de críticas, de mudanças ou até mesmo do desconforto de encarar partes de si que prefere não ver. Mas, por trás desse muro, o que está escondido continua agindo, e geralmente de modo mais intenso do que imaginamos.

O que foi recalcado pode se manifestar em irritações exageradas, reações emocionais desproporcionais, dificuldades de relacionamento e repetição de padrões que a própria pessoa diz não querer viver. Por exemplo, alguém que sempre responde de forma agressiva a qualquer questionamento pode estar evitando se sentir vulnerável, pois vulnerabilidade foi algo doloroso no passado. Nesse caso, “eu sou assim mesmo” não é apenas um jeito de ser, mas um mecanismo para manter o recalque fora de vista.

A psicanálise nos convida a perceber que esses momentos não são ameaças à nossa identidade, mas oportunidades de nos conhecermos melhor. Em vez de encerrar o assunto com “eu sou assim mesmo”, podemos perguntar: “O que nessa situação mexeu tanto comigo?” ou “Por que isso me incomoda tanto a ponto de precisar me fechar?”. Essas perguntas abrem espaço para contato com o que foi recalcado, e é nesse processo que mudanças reais podem acontecer.

Ter recalques não é sinal de fraqueza (todos nós temos). A diferença está em quem decide manter tudo trancado e quem se dispõe a abrir a porta, com cuidado, para entender o que está lá dentro. Quando reconhecemos essas partes de nós, deixamos de viver no automático e ganhamos liberdade para agir de forma mais consciente. E isso, no fim, é muito mais libertador do que qualquer justificativa pronta.

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Sabe aquele momento em que alguém faz ou diz algo que te tira do sério? Ou quando uma atitude alheia te fere mais do que o esperado, quase como se tivesse apertado um botão invisível? Nessas horas, é comum pensarmos: “a culpa é do outro”. Mas… será que é mesmo?

Na clínica – e, muitas vezes, na vida – escutamos histórias que parecem girar em torno de alguém externo. Um chefe insuportável, um parceiro distante, uma mãe crítica. Só que, olhando com mais cuidado (e aqui entra Winnicott com sua lente sensível sobre o desenvolvimento emocional), a pergunta que surge é: o que disso tudo diz mais sobre mim do que sobre o outro?

Winnicott, psicanalista britânico que tinha um olhar quase poético sobre o ser humano (algo que eu amo nesse autor), nos ensinou sobre a importância do ambiente na construção do nosso self verdadeiro. Ele dizia que, no início da vida, precisamos de um ambiente suficientemente bom – com um cuidado suficientemente bom. Não é sobre perfeição, mas sobre a presença que acolhe, que sustenta, que entende antes mesmo das palavras.

Quando esse ambiente falha de forma significativa ou repetida, vamos criando defesas. Um “falso self” pode surgir, uma espécie de máscara psíquica que serve para nos proteger, mas que, com o tempo, nos distancia de quem somos de verdade.

E por que isso importa?

Porque muitas das nossas reações emocionais mais intensas, aquelas que parecem ser “culpa do outro”, podem ser, na verdade, ecos de experiências passadas. Situações que nos tiram do eixo hoje podem estar reverberando algo não elaborado lá de trás, um abandono não nomeado, uma frustração não acolhida, uma dor que não teve espaço para existir.

Então, quando você se pegar reagindo com mais força do que gostaria, talvez seja interessante se perguntar: isso que estou sentindo é mesmo sobre essa pessoa ou tem algo aqui que é sobre mim?

Não se trata de culpar a si mesmo. Longe disso. Winnicott não acreditava em culpa como castigo, mas em responsabilidade como caminho de amadurecimento. E responsabilizar-se pelas próprias emoções é um ato de cuidado consigo.

Reagir menos ao outro e mais a partir de si é um sinal de que algo importante está se transformando. Significa que estamos aos poucos nos encontrando com nosso self verdadeiro – aquele que não precisa gritar para ser ouvido, nem atacar para se defender.

A psicanálise, especialmente sob a perspectiva winnicotiana, nos convida a esse encontro com o que é mais genuíno em nós. Um processo que, embora nem sempre confortável, nos permite viver com mais inteireza.

Porque no fim das contas, talvez o que o outro desperta em você diga muito mais sobre você do que sobre ele.

Dia 30 de julho, comemoramos o Dia Internacional da Amizade. E essa é uma data que sempre me provoca reflexões.

Durante muito tempo, desejei viver relações de amizade semelhantes às que via nas séries de TV, aquelas em que os amigos estão sempre presentes, em qualquer hora do dia ou da noite, prontos para acolher, rir ou enfrentar o mundo juntos. Eu idealizava esse tipo de vínculo e, naturalmente, me frustrava por não conseguir vivê-lo daquela maneira.

Essa idealização, no entanto, diz muito mais sobre nossas fantasias do que sobre a realidade dos vínculos. E Lacan nos ajuda a pensar sobre isso.

Na psicanálise lacaniana, o sujeito é atravessado pela falta, uma marca estrutural que nos constitui. O desejo nasce justamente dessa incompletude. E, muitas vezes, quando idealizamos a figura do “melhor amigo”, estamos tentando tapar esse buraco, projetando no outro um lugar impossível: o de alguém que nos compreenderá totalmente, que estará sempre disponível, que será constante e incondicional, quase como um ideal materno ou um Outro absoluto.

Mas Lacan nos lembra que “não há Outro do Outro”. Não existe alguém que possa, de fato, nos completar. O desejo do outro não está ali apenas para nos satisfazer, ele também é dividido, também deseja, também falta. E quando o outro falha (porque falha mesmo), nos frustramos. Mas a frustração, nesse caso, não vem da relação em si, e sim daquilo que esperávamos dela: da idealização.

Essa idealização é construída muitas vezes a partir de referências culturais (como as amizades das séries ou dos filmes), mas também de nossas experiências infantis, desejos não simbolizados, e da esperança inconsciente de encontrar alguém que repare aquilo que ficou sem resposta.

Só que, paradoxalmente, é na quebra da idealização que o laço real pode se constituir. Quando deixamos de esperar que o outro nos salve, e passamos a escutá-lo e aceitá-lo em sua alteridade, com suas ausências, limites e falhas, abrimos espaço para uma amizade possível, concreta, viva.

E foi justamente nesse processo que percebi algo importante: eu vivo, sim, essas relações. Elas existem, são reais e eu posso contar com elas sempre que precisar, ainda que não se encaixem no roteiro perfeito das séries. São vínculos humanos, imperfeitos, mas verdadeiros. E talvez seja isso o mais valioso de tudo 🤗

Você já teve aquela sensação de que existe algo além do que está sendo dito? Já percebeu que, muitas vezes, as pessoas falam uma coisa, mas seus gestos, silêncios ou repetições contam uma história diferente? Pois é… Freud também pensava assim.

A psicanálise nasceu desse incômodo. Desse desejo de escutar o que está por trás do óbvio. Quando Freud começou a explorar o inconsciente, ele abriu uma porta para um mundo novo, um mundo onde os sonhos fazem sentido, os lapsos revelam verdades e os sintomas têm histórias para contar.

Cursar psicanálise não é apenas aprender sobre teoria. É um convite para mergulhar em si mesmo. Antes de atender alguém, o futuro psicanalista precisa se analisar. E isso muda tudo. Porque, diferentemente de outras profissões, aqui você é sua principal ferramenta de trabalho.

Não se trata apenas de ajudar o outro, embora isso aconteça, e muito. Trata-se de escutar com outra qualidade. De aprender a lidar com o que é difícil, com o que dói, com o que não tem resposta pronta. A psicanálise não oferece soluções mágicas, mas oferece algo ainda mais valioso: a possibilidade de dar sentido àquilo que parecia sem sentido.

E o mais bonito? É um campo que acolhe quem é curioso, inquieto, quem gosta de pensar fora da caixinha. A formação não precisa vir de uma única área. Filosofia, psicologia, medicina, pedagogia, direito… ou nenhuma dessas. O que importa é o desejo de escutar e a coragem de se colocar em análise. Como dizia Freud, “onde estava o id, deve advir o ego”, ou seja, transformar o que era desconhecido em algo que se possa simbolizar.

Trabalhar com psicanálise é como decifrar enigmas. É aprender que o sofrimento tem uma lógica. Que ninguém repete padrões por acaso. Que mesmo o que parece sem explicação tem um motivo, ainda que inconsciente.

Se você sente esse chamado, essa curiosidade que te cutuca, talvez a psicanálise esteja te chamando também. Não para oferecer respostas rápidas, mas para caminhar em direção às perguntas certas.

E acredite: uma vez que você entra nesse universo, é impossível sair igual rs