Me lembro há dez anos, quando fui mandada embora pela primeira vez na vida, que comecei a me sentir triste e não suportava o silêncio. Ligava a TV ou o rádio para que houvesse vozes no apartamento e assim parecesse que havia pessoas ali comigo. Eu não compreendia por que precisava de barulho o tempo todo, mas um dia, na análise, consegui perceber que, na verdade, eu não conseguia ficar sozinha comigo mesma. O silêncio faz exatamente isso: nos deixa desconfortáveis, nos incomoda e começa a nos mostrar coisas sobre nós mesmos que talvez não estejamos prontos para lidar.
Em conversas cotidianas, nos apressamos para preencher o silêncio com palavras, como se o vazio fosse algo a ser evitado. Mas o silêncio, longe de ser um obstáculo, é um elemento fundamental no processo analítico e na compreensão da subjetividade humana.
Na psicanálise, o silêncio não é apenas a ausência de fala, mas um espaço de elaboração. Ele permite que o inconsciente se manifeste sem as barreiras da fala automática ou das respostas prontas. Freud já apontava que há lapsos, hesitações e pausas que dizem mais sobre o sujeito do que suas palavras. Muitas vezes, o silêncio na clínica revela um ponto de resistência ou um momento em que algo ainda não pode ser nomeado. Respeitá-lo é abrir caminho para que conteúdos psíquicos possam emergir com mais autenticidade.
No entanto, a sociedade contemporânea nos condiciona a evitar o silêncio. Vivemos cercados por ruídos, distrações e estímulos constantes. As redes sociais e a cultura da hiperconectividade tornaram o vazio algo quase intolerável. No silêncio, nos deparamos conosco, com nossas angústias, desejos e questões não resolvidas – e isso pode ser assustador. O medo do vazio é, muitas vezes, o medo do encontro com aquilo que não conseguimos dizer.
Na terapia, o silêncio também desafia a necessidade de respostas rápidas. Em um mundo acelerado, onde tudo precisa ser resolvido imediatamente, o espaço analítico propõe um outro tempo: um tempo de escuta, de elaboração e de transformação. Não se trata apenas de falar, mas de permitir que o discurso tome forma no ritmo necessário para o sujeito.
Além do setting analítico, o silêncio tem valor na vida cotidiana. Ele pode ser um momento de reflexão, um espaço para sentir e elaborar antes de reagir. No convívio com o outro, o silêncio pode ser uma forma de presença, um respeito pelo que não precisa ser dito. Quando aprendemos a suportar o silêncio, nos aproximamos de uma escuta mais profunda – tanto de nós mesmos quanto dos outros.
Talvez a grande questão não seja por que temos medo do silêncio, mas o que ele pode nos revelar quando ousamos escutá-lo

