Quem me ajudou a pensar o tema de hoje aqui no blog foi a minha filha de 11 anos.
Pois é. Sinto orgulho porque, desde cedo, ela já consegue refletir e discutir sobre essas questões. Mas, sinceramente? Eu gostaria muito mais que não fosse necessário.

Quando perguntei o que eu poderia escrever sobre o machismo, ela respondeu algumas coisas que me fizeram pensar. Uma delas foi sobre o homem que sempre quer estar certo e impõe isso de forma grosseira “pra cima das meninas”, como se elas tivessem que “engolir”.

E é aí que está o ponto central: o homem machista não é forte! Pelo contrário, ele é frágil, e passa a vida tentando esconder isso.
Por isso precisa dominar, gritar, trair, humilhar. Tudo pra não encarar o que mais teme: o vazio.

A psicanálise chama isso de recusa da castração, o sujeito que não suporta reconhecer que não é todo-poderoso, que não tem tudo, que o outro (a mulher) existe fora do seu controle.

O machista não suporta o desejo da mulher porque o desejo dela é livre e o livre o ameaça. Não suporta o “não” feminino, porque o “não” revela o limite. E pra esse sujeito, limite é sinônimo de fraqueza.

Assim, o homem machista transforma o outro em extensão de si: a mulher vira espelho de virilidade, troféu, vitrine. A traição, em muitos casos, entra como ato simbólico de poder, uma forma de reafirmar a ilusão de domínio, de dizer: “eu faço porque posso.”

Quando vemos homens traindo e tratando o ato como banal, o que se escancara não é apenas a infidelidade é a estrutura de uma masculinidade que ainda mede seu valor pelo que conquista, e não pelo que sustenta.

A psicanálise não moraliza, mas denuncia o sintoma: o sujeito que precisa possuir o outro pra se sentir inteiro é um sujeito em ruína.
Por trás do homem que se gaba das próprias conquistas, há uma criança em pânico com a própria falta. Por trás da “traição de macho”, há a negação do desamparo. Por trás do riso e da exibição, há a angústia de não bastar.

Enquanto o homem tenta sustentar o falo no real, com dinheiro, fama, status ou mulheres, o inconsciente ri. Porque o falo nunca foi algo que se tem. Ele é um significante da falta.

E é exatamente isso que o machismo tenta apagar a qualquer custo. Mas quanto mais tenta, mais escancara. No fim, é sempre a mesma cena: o homem tentando provar potência, cercado por tudo o que acredita possuir, mas preso à própria insegurança.

Não é à toa que tantos homens, mesmo ao lado de mulheres inteligentes, fortes e amorosas, ainda buscam outras fora da relação, não por desejo genuíno, mas por necessidade de reafirmar poder.

Por isso, vale repetir: O machismo não é força. É medo travestido de poder.

Outubro é marcado pela campanha Outubro Rosa, voltada à prevenção e ao cuidado com o câncer de mama. A proposta é clara: olhar para o corpo, cuidar dele, reconhecer sinais e buscar ajuda quando necessário. Mas, se pensarmos a partir da psicanálise, o corpo não é apenas biológico — ele é também simbólico, atravessado por histórias, desejos, marcas e feridas que nem sempre aparecem nos exames médicos.

Na clínica, aprendemos que o corpo fala. E fala de muitas formas: nos sintomas físicos, nas dores que não encontram explicação médica, nas mudanças de humor que acompanham transformações corporais, na relação que cada mulher estabelece com sua própria imagem. O corpo feminino, em especial, carrega múltiplas camadas de sentidos — é lugar de prazer, mas também de cobrança social, de repressão e, muitas vezes, de silenciamento.

O câncer de mama, quando irrompe, não atinge apenas o tecido biológico. Ele atravessa a feminilidade, a autoestima, a sexualidade e a identidade. A mama, símbolo de nutrição e de erotismo, quando marcada pela doença ou pela cirurgia, convoca a mulher a ressignificar sua relação consigo mesma e com o olhar do outro. É um processo que vai além da medicina: é psíquico, é subjetivo.

Nesse sentido, a psicanálise pode contribuir oferecendo um espaço de escuta para que cada mulher possa falar sobre essas marcas. Não se trata apenas de “sobreviver”, mas de elaborar o que a doença provoca no corpo e na alma. Muitas vezes, a luta não é só contra o tumor, mas contra a culpa, contra o medo, contra as exigências de “ser forte o tempo todo”.

O Outubro Rosa nos lembra que o cuidado precisa ser integral: sim, fazer os exames, sim, buscar a medicina preventiva, mas também abrir espaço para olhar para dentro. O corpo feminino merece ser cuidado em todas as suas dimensões — física, psíquica e simbólica.

Afinal, como nos ensina a psicanálise, nenhum corpo existe sem história. E cuidar da saúde também é poder contar e ressignificar essa história.

A nomofobia, termo que vem do inglês no-mobile phobia, refere-se ao medo ou ansiedade intensa de ficar sem acesso ao celular ou a outros dispositivos móveis. Embora possa parecer um fenômeno moderno, ligado ao avanço da tecnologia e ao imediatismo da vida contemporânea, a psicanálise oferece uma lente interessante para compreendermos por que o sujeito se agarra tanto ao aparelho a ponto de se sentir “perdido” sem ele.

Do ponto de vista psicanalítico, o celular funciona muitas vezes como um objeto transicional — algo que dá ao sujeito uma sensação de segurança e presença, ocupando simbolicamente o lugar do outro. O aparelho torna-se mediador da relação com o mundo, sustentando vínculos, confirmando a existência do sujeito e oferecendo um alívio momentâneo para a angústia da solidão. A dependência não está apenas no aparelho em si, mas no que ele representa: a constante possibilidade de contato, de ser visto, ouvido, reconhecido.

Freud já nos lembrava que a angústia surge quando o sujeito se vê diante da possibilidade de perda. Estar sem o celular, para quem sofre de nomofobia, reativa fantasmas de abandono, de falta, de vazio — estruturas psíquicas muito mais antigas do que a própria tecnologia. Melanie Klein, ao tratar da relação entre presença e ausência do objeto, também nos ajuda a entender: a ausência de resposta imediata nas redes pode ser sentida como um ataque, uma rejeição ou uma ameaça à integridade psíquica. O aparelho, nesse sentido, se torna depositário de ansiedades primitivas ligadas à perda do objeto amado.

Lacan, por sua vez, amplia o debate ao trazer a ideia de que o sujeito é sempre marcado pela falta. O celular, então, aparece como uma promessa ilusória de completude — a sensação de que é possível estar sempre conectado, sempre em contato, nunca só. Mas essa é uma promessa enganosa: quanto mais o sujeito tenta preencher o vazio com notificações, curtidas e mensagens, mais se depara com a impossibilidade de satisfazer plenamente o desejo. A nomofobia seria, assim, a manifestação contemporânea da dificuldade de lidar com a falta estrutural que nos constitui.

Pensar a nomofobia a partir da psicanálise é lembrar que não se trata apenas de “vício em celular”, mas de um sintoma que revela muito sobre como o sujeito lida com a ausência, a solidão, a angústia e a relação com o outro. O aparelho é só o palco visível de um drama psíquico invisível: a dificuldade em suportar a falta e em elaborar a dependência emocional que temos, não do objeto em si, mas daquilo que ele simboliza em nossas relações e em nossa subjetividade.

O ritual obsessivo não é apenas uma mania sem sentido, mas uma tentativa desesperada do sujeito de dar ordem a um mundo interno tomado pela angústia. A cena é comum: lavar as mãos dezenas de vezes, conferir se a porta está trancada, alinhar objetos até que fiquem “perfeitos”. Para quem olha de fora, parece exagero ou até loucura; para quem sofre, é a única forma encontrada de acalmar um mal-estar que não se deixa nomear.

Na psicanálise, o ritual aparece como sintoma, e sintoma é mensagem. O obsessivo não repete por prazer, mas porque está preso numa engrenagem simbólica: repete para não agir, repete para evitar um encontro com algo insuportável, repete para manter afastado aquilo que insiste em retornar. Freud já mostrava que a neurose obsessiva é atravessada por uma relação intensa com a culpa e com a dívida inconsciente. O ritual funciona como um pagamento simbólico, uma forma de expiação: se eu repito, se eu verifico, se eu limpo, talvez eu evite a catástrofe.

Mas é justamente nesse excesso de controle que o sujeito perde a liberdade. O ritual, que deveria proteger, acaba se tornando prisão. Lacan lembrava que o sintoma tem sempre uma função de gozo: há um sofrimento no ritual, mas também um prazer escondido em sustentar a repetição, porque nela o sujeito se reconhece. É um jeito torto de existir.

É importante notar que o ritual obsessivo não é o mesmo que o ritual social ou religioso. Participar de um ritual religioso, por exemplo, pode oferecer pertencimento, sentido, simbolização. O ritual obsessivo, ao contrário, isola o sujeito e o desconecta do laço social, porque sua função não é compartilhar, mas fechar-se em um circuito privado, onde só ele entende as regras.

O trabalho analítico, então, não é simplesmente eliminar o ritual, mas escutar o que ele diz. Qual angústia está sendo velada? Que desejo está sendo contido? Ao invés de arrancar o sintoma, a psicanálise aposta em deslocar seu lugar, fazer o sujeito encontrar novas saídas, novos modos de lidar com aquilo que o atormenta. O ritual pode aprisionar, mas também revela a via de acesso ao inconsciente.

O feminicídio é, infelizmente, uma realidade constante em nossa sociedade. Muitas vezes, quando esses crimes são noticiados, ainda se recorre à ideia de “crime passional”, como se fosse possível justificar a violência pela intensidade de um sentimento amoroso. Mas a psicanálise nos oferece outra perspectiva: o que está em jogo não é o amor, e sim um apego doentio, atravessado por posse, controle e destrutividade.

O impacto dessa lógica perversa não atinge apenas mulheres adultas. Recentemente, o país se chocou com o assassinato de uma menina de 11 anos, morta por não corresponder ao desejo de um grupo de meninos. Um episódio doloroso que escancara a raiz do feminicídio: a recusa em aceitar o “não”, mesmo quando vem da inocência da infância.

Freud: ciúme, posse e pulsão de morte

Freud já havia observado que o amor, longe de ser apenas ternura, carrega em si forças ambivalentes. No mesmo gesto em que se deseja o outro, surge também a tentação de dominá-lo, possuí-lo por inteiro. O ciúme, nesse sentido, revela mais do que medo da perda: mostra a incapacidade de lidar com a alteridade do objeto amado.

É nesse ponto que a noção de pulsão de morte entra em cena. O ser humano não busca apenas prazer e conservação da vida; existe também uma tendência a destruir, a descarregar agressividade. Quando o apego se torna excessivo, ele pode ser atravessado por essa pulsão, transformando-se em violência. O feminicídio, então, aparece como desfecho trágico de uma lógica perversa: “se não é meu, não será de mais ninguém”.

Casos como o da menina de 11 anos revelam justamente essa dinâmica: o ódio ao limite imposto pelo outro, a impossibilidade de aceitar que o desejo não se curva ao comando.

Lacan: o gozo e a alteridade feminina

Lacan aprofunda essa discussão ao lembrar que o desejo é sempre marcado pela falta. Não se possui o outro de forma total, porque o outro é sempre Outro: tem desejos, escolhas e uma subjetividade própria.

Ao falar do feminino, Lacan traz a ideia do “não-todo”: aquilo que escapa, que não pode ser completamente capturado pelo olhar ou pelo desejo masculino. O problema surge quando o sujeito não suporta essa alteridade e tenta eliminá-la. O feminicídio, nesse prisma, é a tentativa desesperada e violenta de aniquilar o que não pode ser controlado.

Não se trata de amor, mas de gozo mortífero — um gozo que se realiza na destruição do outro e, por consequência, na destruição de si mesmo enquanto sujeito desejante.

Concluindo o pensamento

Ao analisarmos o feminicídio pela lente psicanalítica, fica claro que ele não nasce de um “excesso de amor”. O que vemos é o contrário: a recusa em aceitar a liberdade do outro, a incapacidade de lidar com a falta e com os limites que estruturam toda relação humana.

Apego excessivo, longe de ser sinal de intensidade afetiva, é antes um sintoma de fragilidade psíquica que pode se converter em destruição. Reconhecer essa dinâmica é fundamental não apenas para compreender o fenômeno, mas também para desmontar narrativas que ainda insistem em romantizar a violência.

Casos como o da menina de 11 anos nos lembram, de forma brutal, que não estamos diante de um problema individual, mas de uma estrutura social e psíquica que precisa ser enfrentada. No fim das contas, é preciso dizer sem rodeios: feminicídio não é fruto de amor. É fruto da recusa em deixar o outro ser sujeito de sua própria vida.

Todo mês de setembro, a sociedade se mobiliza em torno do Setembro Amarelo, uma campanha essencial para falar de prevenção do suicídio e saúde mental. Mas me inquieta pensar que, de 12 meses e 365 dias do ano, apenas 30 dias se voltam a um tema tão sério. O suicídio, segundo a OMS, é responsável por cerca de 1,5% de todas as mortes no mundo — mais de 720 mil vidas perdidas a cada ano. Diante de números tão alarmantes, por que concentrar o debate apenas em setembro? O que fazemos com os outros meses?

O risco de limitar a discussão a um único mês é enorme. O sofrimento psíquico não segue agenda. A dor, a angústia e o desejo de desaparecer não esperam datas de conscientização. Por isso, é fundamental mantermos viva essa conversa o ano inteiro.

O suicídio não é fraqueza, é um pedido de socorro

Uma das falácias mais cruéis é considerar o suicídio como sinal de fraqueza ou falta de caráter. Isso não só aprofunda a solidão de quem sofre, como também cria barreiras para pedir ajuda.

A psicanálise nos mostra que, muitas vezes, o gesto suicida é a expressão de uma dor que não encontrou palavras. É um grito silencioso, uma tentativa de cessar um sofrimento insuportável quando já não se vê outra saída.

Falar disso com seriedade é uma forma de retirar o estigma e abrir espaço para a escuta. Winnicott, psicanalista inglês, trouxe uma contribuição preciosa para pensar o sofrimento: a ideia de que precisamos de um ambiente suficientemente bom — alguém ou algo que sustente nossa existência quando sozinhos já não damos conta.

Quando um sujeito não encontra no mundo um espaço de acolhimento, cuidado e presença, a vida pode se tornar insuportável. O suicídio, nesse sentido, aparece como sinal de que o ambiente falhou — e de que o sujeito não consegue mais sustentar sozinho o peso de sua dor.

Mas é importante lembrar que o sofrimento não aparece de uma única forma. Há pessoas para quem cada dia é uma batalha contra o vazio, em que até os gestos mais simples — levantar da cama, se alimentar, sair de casa — parecem impossíveis. Para elas, o mundo pesa demais, e qualquer expectativa se torna insuportável.

Mas também há aqueles que continuam funcionando: levantam cedo, trabalham, cuidam da família, sorriem em fotos… e ainda assim sentem que apenas sobrevivem. Seguem a rotina como se estivessem no “piloto automático”, sem conseguir encontrar prazer ou sentido nas próprias conquistas. Às vezes, são justamente essas pessoas, aparentemente “fortes”, que ninguém percebe que estão sofrendo.

O risco é que o sofrimento invisível passe despercebido, reforçando a solidão. Por isso, é essencial ampliar o olhar: não esperar apenas sinais “visíveis” de dor, mas compreender que o suicídio pode ser tanto o grito de quem já não suporta quanto o silêncio de quem segue vivendo sem, de fato, sentir-se vivo.

Enfim, falar sobre suicídio não deveria ser tarefa de um mês, mas um compromisso contínuo com a vida e com o cuidado. Cada história interrompida é também um lembrete de que precisamos de ambientes mais humanos, mais atentos e menos julgadores. Que possamos sustentar o acolhimento como presença constante, porque muitas vezes o simples gesto de estar com alguém já pode significar a diferença entre sucumbir e resistir.

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