Hoje resolvi falar de um tema muito falado por todos nós, a frustração. A frustração não é de toda ruim, sabemos disso, mas lidar com ela é algo que nem sempre sabemos. E a psicanálise nos explica a importância desse sentimento no nosso cotidiano.

A frustração não é um defeito de fábrica. É um sinal de que existe realidade. E, goste ou não, a vida não é fácil não é mesmo? è praticamente um eterno “não dá”. Não dá do jeito que eu queria, na hora que eu queria, com as pessoas se comportando exatamente como eu imaginei e esse “NÃO” é o chão.

O problema é que hoje a gente confunde muito a frustração com algo que não posso sentir. Ou como algo que eu deva responsabilizar o outro pelo que eu estou sentindo: “se estou frustrado, então tem algo errado com o outro, com o trabalho, com o relacionamento… com o universo.” E aí começa a briga interna do evitar sentir.

Só que evitar frustração custa caro. Custa crescimento.

Na clínica, a frustração aparece com várias fantasias por trás: a fantasia de ser escolhido, de ser exceção, de ser compreendido sem precisar falar, de ter garantia de amor, de não depender, de não errar, de não perder. Tudo isso é muito humano. E tudo isso esbarra numa verdade antiga: desejar é lidar com a falta.

Frustração é o atrito inevitável entre desejo e limite, e vamos combinar? Tem muita gente precisando de limite por aí não é mesmo?

Importante colocar aqui que limite não é uma punição moral. É estrutura. A coisa mais “tradicional” da vida psíquica é essa: ninguém aguenta tudo, ninguém dá conta de tudo, ninguém vai receber tudo. Quando alguma parte de nós ainda está presa na ideia de completude, qualquer limite vira humilhação. Não vira só um “não deu”. Vira um “não sou amado”, “não sou capaz”, “não sou suficiente”. A frustração vira identidade.

Por isso algumas pessoas não ficam só frustradas. Elas desabam. Ou atacam. Ou se anestesiam. Ou viram especialistas em fugir. Só que tem uma virada importante: suportar frustração não é “ser forte”. É ser capaz de perder a fantasia, vivendo a realidade. É aceitar que o outro falha, que eu falho, que o tempo passa, que o mundo não obedece. E, mesmo assim, continuar desejando. Continuar construindo. Continuar amando sem exigir garantias impossíveis.

A frustração bem atravessada vira três coisas muito valiosas:

Tolerância ao tempo (nem tudo é agora).

Capacidade de simbolizar (em vez de agir no impulso, eu penso, nomeio, elaboro).

Autonomia emocional (eu aguento o “não” sem transformar isso num veredito sobre quem eu sou).

No fundo, frustração é algo necessário. Um rito de passagem para o amadurecimento e autoconfiança. Se frustrar dói, mas também é libertador, porque quando eu paro de brigar com a realidade, sobra energia pra viver de verdade. E viver de verdade é isso, perceber que o mundo não gira ao meu redor.

Sou uma mulher branca, psicóloga, formada e atravessada por uma cultura em que o tema da raça quase sempre foi deixado de lado, tratado como “questão social” e não como algo que atravessa a subjetividade e a clínica. Escrever sobre racismo a partir desse lugar não é falar pela experiência negra – porque isso não me pertence – mas me implicar como pessoa branca dentro de uma sociedade racista e dentro de uma prática clínica que não é neutra diante disso.

Quando falo de racismo como sintoma social, estou pensando justamente que ele não se resume a atitudes individuais isoladas, a “pessoas ruins” que cometem atos de preconceito. O racismo é uma forma organizada de gozo, de poder e de exclusão que estrutura o laço social e marca corpos, histórias e possibilidades. Ele sustenta hierarquias, define quem é visto como “normal” e quem é visto como “exceção”, organiza lugares – quem serve, quem decide, quem aparece, quem é ouvido, quem é suspeito, quem é desejável – e oferece, muitas vezes de forma inconsciente, um certo prazer perverso em diminuir, controlar, ridicularizar ou invisibilizar o outro. Tudo isso não fica do lado de fora, no noticiário ou nos debates teóricos; entra na fantasia, nas identificações, nos ideais, naquilo que cada sujeito acredita que pode ou não pode ser.

Na clínica, o racismo nem sempre aparece nomeado. Raramente alguém chega dizendo simplesmente “eu sofro racismo” e ponto. Ele costuma vir em frases como: “eu sinto que preciso provar o dobro o tempo todo”, “quando eu entro num lugar, parece que o clima muda”, “tenho medo de ser vista como agressiva se eu me posicionar”. Aparece como vergonha do próprio corpo, do cabelo, do jeito de falar; como auto-sabotagem; como escolha de relações afetivas em que a pessoa aceita sempre menos do que merece; como dificuldade de se reconhecer como inteligente, bonita, competente, mesmo quando há elementos concretos mostrando o contrário. Se eu, como analista branca, escuto tudo isso sem considerar a dimensão racial, corro o risco de psicologizar o que é também social e histórico: transformar violência em “insegurança”, exclusão em “falta de autoconfiança”, racismo em “sensibilidade demais”. Na prática, isso é uma forma de repetir, dentro do consultório, a mesma estrutura que adoece fora dele.

É importante lembrar que não é só a pessoa negra que chega marcada pelo racismo. Eu, como pessoa branca, também chego marcada pela branquitude. Branquitude não é apenas cor de pele, é uma posição de privilégio que costuma se pensar como “normal”, “universal”, “neutra”. Na clínica, isso aparece quando eu trato o tema da raça como detalhe, algo secundário ou “mais social do que psíquico”; quando respondo ao relato de racismo com dúvida ou minimização; quando me escondo atrás de uma ideia de neutralidade que, na prática, reafirma a norma branca como padrão. Quando eu não reconheço minha própria posição, fico cega para a assimetria que atravessa a relação analítica. E, se eu não vejo, eu repito.

Falar de racismo como sintoma social implica olhar para essa dupla via: o sujeito que tenta se virar num mundo atravessado por desigualdades concretas e a posição de quem escuta, que também está enredada nessa mesma estrutura. Há um equilíbrio delicado aqui. Se eu reduzo tudo à estrutura social, a pessoa corre o risco de virar apenas vítima do sistema, sem lugar para seu desejo, suas invenções, suas contradições. Se eu reduzo tudo ao individual, ignoro que esse sujeito não está sofrendo no vácuo, mas numa realidade que produz, diariamente, experiências de humilhação, exclusão e desautorização.

O trabalho clínico, do jeito que eu entendo, é escutar o sujeito dentro da estrutura. É poder reconhecer que existe, sim, um mundo que fere, que nega, que lê aquele corpo e aquela história de forma violenta, e ao mesmo tempo afirmar que o sujeito não se esgota nesse lugar imposto. Há algo nele que escapa ao lugar em que o racismo tenta encaixá-lo, e esse algo não é moralismo nem pensamento positivo, é processo: conflito, ambivalência, elaboração. Às vezes, o primeiro passo desse processo é simplesmente poder nomear o que antes era vivido como culpa, defeito pessoal, fracasso individual.

Escolher escrever sobre racismo sendo branca é, no mínimo, reconhecer que eu sempre tive voz demais e que, justamente por isso, tenho responsabilidade sobre o que faço com essa voz. A questão não é se eu posso falar porque, de fato, posso, e esse já é um sinal de privilégio, mas como falo e de onde eu falo: deixando claro que não sei o que é ser uma pessoa negra no Brasil, escutando o que pessoas negras escrevem e produzem sobre o tema, revendo minha prática, minhas leituras, meus silêncios, aceitando que posso errar, ser criticada, e que isso faz parte do caminho.

Trazer o racismo para dentro da clínica, chamá-lo pelo nome e reconhecê-lo como sintoma social não é enfeite de texto de novembro; é uma exigência ética. Se a psicanálise se propõe a escutar o que faz sofrer, não dá para tratar o racismo como assunto opcional, que entra ou não conforme a preferência de quem atende. Ele já está ali, nos corpos, nas histórias, nas queixas, nos silêncios. A pergunta é: o que eu, como analista branca, faço com isso quando se apresenta? Ignoro, minimizo, individualizo, ou autorizo que seja dito, pensado e elaborado? É aí que, para mim, começa de fato o trabalho.

Imagine receber um e-mail com assunto: “Confirmação da sua data final”. Não é golpe, não é spam. É certeza. O que isso faria com a sua vida hoje?

Winnicott não escreveu sobre “datas de morte” no calendário, mas falou de algo que cai como luva aqui: viver criativamente versus apenas cumprir tabela. Para ele, quando a vida é vivida “de verdade”, há um sentimento de realidade que nasce de dentro, o self verdadeiro, e se expressa no brincar, no experimentar, no arriscar um pouco. Quando a pessoa perde esse chão e passa a só responder às expectativas externas, vira performance: o falso self assume, educado, eficiente… e esvaziado.

Uma data de fim pode empurrar a gente para qualquer um dos lados. Pode virar gatilho de produtividade ansiosa (“checklist da boa morte”: viaje, perdoe, poste no Instagram), que é só o falso self correndo maratona. Ou pode ser um chamado para o gesto espontâneo: viver com autoria, mesmo que em coisas pequenas, cozinhar do seu jeito, dizer “não” quando é “não”, regar plantas como quem assina um quadro.

Winnicott também falava de ambiente suficientemente bom. No começo da vida, precisamos de alguém que segure (literalmente) nosso corpo e nossa experiência para que surja a sensação de continuidade: sou o mesmo que acordou ontem. Essa continuidade de ser é o pano de fundo pra brincar e criar. A notícia de um prazo rígido pode rachar esse pano de fundo. A cabeça vai para dois extremos: ou um “tanto faz” apático, ou um “tudo ou nada” acelerado. É aqui que entra o trabalho de sustentação: reconstruir um ambiente que devolva tempo psicológico, mesmo quando o tempo do relógio encurtou.

“Mas dá pra brincar sabendo a hora do fim?”. Em Winnicott, brincar não é só passatempo; é a forma como existimos no espaço potencial entre o que é de fora e o que é de dentro. Ritual, arte, fé, conversa boa, humor, tudo isso é brincar sério. Paradoxalmente, quando a finitude fica muito visível, o brincar pode ganhar nitidez: o café vira encontro, a caminhada vira rito, o silêncio vira companhia. A data não precisa matar o jogo; ela pode enquadrar o jogo, como a moldura que faz a pintura aparecer.

Outro ponto crucial: medo do colapso. Winnicott diz que, muitas vezes, o colapso que tememos é memória do que já aconteceu quando faltou ambiente lá atrás. Saber a data pode acender esse medo antigo: “não vou dar conta”, “vou desintegrar”. O tratamento e também os vínculos podem funcionar como holding: presença que não apressa nem abandona. Não é resolver a morte; é tornar habitável o tempo até lá.

E a relação com o outro? Winnicott fala da capacidade para se preocupar (concern). Ela nasce quando descobrimos que o outro é real e que nossos gestos o afetam. Com a data em mãos, essa capacidade pode florescer: arrumar assuntos pendentes, não como checklists moralistas, mas como gestos reparadores. Às vezes, reparar é reconhecer um limite. Às vezes, é guardar uma lembrança de modo que ela siga viva nos que ficam, um caderno de receitas, uma playlist comentada, uma carta escrita com calma (olha o brincar aparecendo de novo).

Faça molduras, não metas. Em vez de “vou ser a melhor versão de mim”, experimente “todas as tardes, 20 minutos para algo que é só meu”. Isso recria tempo suficientemente bom.

Escolha um gesto espontâneo por dia. Pequeno, concreto, seu. O gesto é o antídoto do falso self.

Cultive companhia silenciosa. A capacidade de estar só (na presença de alguém) é obra de arte winnicottiana. Não precisa encher o tempo de barulho.

Autorize limites. Dizer “não vou a esse evento” pode ser, paradoxalmente, um “sim” à sua vida que ainda está acontecendo.

Menos conselhos, mais ambiente. Pontualidade, previsibilidade, humor que acaricia sem zombar, perguntas que abrem espaço (“o que ainda dá vontade?”), e disposição para sobreviver a fases difíceis sem desaparecer.

Isso é técnica — e é amor bem aplicado.
No fim, a pergunta “e se a sua morte tivesse data confirmada?” devolve outra, mais winnicottiana: há algo de si mesmo acontecendo aí dentro? Se a resposta começa a ser “sim”, mesmo que tímido, a vida não virou contagem regressiva; virou vida. Com começo, meio e fim e, dentro disso, espaço para brincar. Porque, como diria Winnicott com sua calma bagunçada, quando o ambiente sustenta, o sujeito aparece. E quando o sujeito aparece, até o prazo fica menos tirano.

Halloween chega e, junto com as fantasias e abóboras, vem aquela chance rara de brincar com o que normalmente a gente esconde: o medo, o estranho, o “não sei bem o que é, mas me dá um arrepio”. Freud chamou isso de “o inquietante” (Unheimlich): aquilo que parece familiar e, de repente, ganha um brilho perturbador. É a casa conhecida com uma sombra fora do lugar; é o sorriso bonito que dura um segundo a mais; é a sensação de que algo retornou — e, na psicanálise, a gente sabe que o que retorna costuma ser o recalcado.

Se tem um mérito nesses rituais de outubro, é o de colocar o monstro na sala sem pedir desculpa. A fantasia literaliza o que no dia a dia vestimos de socialmente aceitável. Trocar a roupa “normal” por um manto de bruxa é um jeito de admitir: “eu também tenho forças, desejos e medos que não cabem no cartão de visitas”. Não é apenas folclore; é teatro interno. E teatro, desde sempre, é a forma elegante que a humanidade inventou pra lidar com o indizível.

Do ponto de vista clínico, o Halloween oferece uma chave importante: ele transforma angústia em jogo. Crianças saem pedindo doce ou travessura e, nessa brincadeira, exercitam algo que Freud já observava no famoso Fort/Da — a tentativa de ganhar domínio simbólico sobre o que assusta. Ao dizer “boo!” com a língua de sogra, a criança encena a perda e o retorno, o susto e o alívio. E nós, adultos com boletos e prazos, não somos tão diferentes assim. A diferença é que sofisticamos os disfarces: trocamos a capa de vampiro por planilhas impecáveis, piadas prontas, produtividade. E seguimos, muitas vezes, assustados.

´´Mas por que gostar de fantasma?” perguntaria o lado cético. Porque, sem ele, a casa fica silenciosa demais. A psicanálise não romantiza o medo, mas reconhece sua função: ele sinaliza que há limites, desejos, conflitos. E lembra que, por trás de muita “perfeição”, mora um pacto de silêncio. Halloween quebra o pacto por 24 horas. O estranho sai às ruas, a morte vira enfeite, o grotesco vira meme. E, quando tudo volta ao normal, algo em nós já foi tocado: o indomável que Lacan chamou de Real, aquilo que escapa às nossas narrativas foi, ao menos, contornado com fitas e glitter. A gente aprende cedo a esconder a morte atrás de eufemismos. Em festas como essa, ela vira máscara, vela, piada. Pode parecer irreverente, mas é também reverente: há respeito quando o humano decide olhar de frente o que teme, ainda que de lado, ainda que rindo.

E as fantasias? Não subestime. Escolher uma é quase uma sessão relâmpago: “de que força eu sinto falta?”, “que traço meu eu exageraria sem culpa?”, “que parte de mim precisa de voz, nem que seja por uma noite?”. Tem quem se vista de monstro pra domar o próprio. Tem quem se vista de fada pra lembrar que leveza também é trabalho psíquico. E tem quem vá de si mesmo, finalmente, o que, convenhamos, às vezes é a fantasia mais difícil rs.

No consultório, vemos todos os dias versões privadas de Halloween: lapsos, sonhos, sintomas que batem na porta pedindo “doce ou travessura?”. Se damos só doce, anestesiamos; se damos só travessura, rompemos sem transformar. O caminho analítico é menos espetacular e mais artesanal: acolher o susto, decifrar o roteiro, recolocar os personagens no palco certo. E isso vale pra sexta à noite e pra segunda de manhã.

Talvez o ponto seja este: a festa não cura, mas autoriza. Autoriza a falar do que não cabe; autoriza a rir do que aprisiona; autoriza a reconhecer que a vida é feita de Eros e de Tanatos, desejo e perda, construção e ruína. Autoriza, por um instante, a sermos menos eficientes e mais verdadeiros. Depois, cada um volta pro seu figurino cotidiano, mas com uma costura a mais, um símbolo a mais, um pouquinho menos de medo.

Se você for sair de casa nesta sexta, olhe em volta como quem escuta um sonho: o que cada máscara te diz sobre você? Que personagem você está cansado de interpretar? E, se ficar em casa, tudo bem: acenda uma vela, escreva uma linha, faça um brinde silencioso aos seus fantasmas. Eles não somem com spray de “good vibes”; mas, quando nomeados, deixam de te puxar pelo pé debaixo da cama.

Feliz Halloween!

Vivemos um tempo em que sentir, sozinho, parece não bastar. A tristeza precisa de legenda, o amor precisa ser fotografado, a saudade precisa virar story. Como se o sentimento só ganhasse validade quando fosse testemunhado por alguém. A dor não é só dor, é conteúdo. A alegria não é só alegria, é um post com trilha sonora. É curioso: a experiência humana, que sempre foi íntima, virou pública, performática. Sentir deixou de ser um movimento interno para se tornar um ato social.

A psicanálise sempre nos mostrou que o sujeito se constrói no olhar do outro. É no espelho, no reconhecimento, que o eu se forma. Mas hoje, esse espelho tem filtros, curtidas e comentários. O olhar do outro vem em forma de notificação. E o desejo de ser visto tomou o lugar do desejo de se conhecer. Já não se trata de viver o sentimento, mas de provar que ele existe. A publicação virou uma forma de legitimar o sentir: “se o outro viu, então é real”.

Só que, ao fazer isso, a gente corre o risco de não sentir de verdade. De transformar o afeto em produto, o desabafo em performance, a dor em engajamento. Publicar pode ser, muitas vezes, um jeito refinado de recalcar: expulso o que não sei lidar, jogo pra fora o que não quero elaborar. O post funciona como defesa — impede o silêncio, corta o vazio. E o vazio, esse espaço de pausa e elaboração, é justamente onde o inconsciente fala.

O “sinto, logo posto” é o novo “penso, logo existo”, mas com uma inversão cruel: não posto porque sinto; sinto porque posso postar. É como se o sujeito contemporâneo tivesse medo de desaparecer se não for visto, medo de que o que sente não exista se não for exibido. Freud diria que há aí um conflito entre o afeto e a representação. Lacan talvez dissesse que é o gozo da imagem, o prazer de se ver sendo visto, mesmo que isso custe a autenticidade do sentir.

Talvez o desafio de hoje seja justamente esse: reaprender a sentir sem pressa de mostrar. Permitir-se o desconforto de viver um afeto sem precisar compartilhá-lo. Ficar um pouco com a dor, com a alegria, com o tédio, sem transformar tudo em performance. Porque, no fim, o que cura não é o que se posta. É o que se escuta.

Quando penso em professores, logo me vêm à mente, com muito carinho, as minhas professoras do pré. Que delícia essas memórias! Era tão gostoso encontrá-las pelo bairro onde morei até pouco tempo, mostrar que eu havia crescido, amadurecido e seguido em frente, dando continuidade ao saber e ao conhecer. Vê-las com aquele olhar de orgulho, conhecendo minha família e percebendo no que eu havia me tornado, era quase como estar diante da minha própria mãe. Bom, pelo menos essa é a lembrança mais viva que guardo da infância com minhas professoras.

No ensino fundamental I, II e médio, também tive momentos muito agradáveis com meus professores. Trago alguns no coração com lembranças boas, e outras nem tanto (rs), mas nunca tive uma experiência realmente ruim. E isso contribuiu para que eu sempre admirasse essa profissão: a profissão que gera todas as outras. Que responsabilidade, não é? Uma pena que grande parte do nosso país ainda não enxergue assim e não valorize como deveria a educação no Brasil.

Atualmente, acredito que ser professor é, antes de tudo, um ato de muito amor, e depois, de muita coragem. Amor por acreditar no poder da palavra, e coragem por sustentá-la mesmo quando o mundo parece surdo.

No ensino da Psicanálise, essa coragem ganha um contorno ainda mais singular. O professor de Psicanálise não ensina verdades prontas: ele provoca, inquieta, desconstrói certezas. Ele sustenta o vazio onde o saber se constrói. Ensinar, nesse campo, é um desafio e ao mesmo tempo, uma entrega, porque só consegue fazê-lo bem quem transmite seu amor por essa ciência ainda tão oculta na nossa sociedade.

Freud dizia que a Psicanálise é uma profissão impossível e talvez por isso, o ensino dela também o seja. Porque ensinar o inconsciente é aceitar que há sempre algo que escapa, que nunca se diz por completo. Mas é justamente nesse resto que nasce o desejo de saber, e é aí que mora o trabalho de quem se dedica a formar analistas.

E hoje, no Dia dos Professores, queremos agradecer a todos vocês que não desistem, mesmo quando parece que o mundo os esqueceu. Que desafiam tudo e todos para demonstrar amor através do ensino. Em especial, aos nossos professores da Psique, que nos ajudam a suportar as perguntas sem respostas, que nos convidam a pensar o humano sem fórmulas, e que nos lembram que a escuta é, talvez, a mais bela forma de ensinar. A todos vocês, o nosso reconhecimento e gratidão. Por cada aula que nos faz pensar, por cada silêncio que nos faz sentir, e por cada olhar que nos faz lembrar que o verdadeiro ensino nasce do encontro, aquele em que algo se transforma em nós.

Feliz Dia dos Professores!