Relacionamentos tóxicos: como o apego inseguro e o falso self moldam padrões afetivos

Muitas vezes, nos vemos presos em relacionamentos que nos esgotam, nos frustram ou nos deixam com uma sensação de vazio constante. Por mais que a razão nos alerte, algo nos mantém ali, repetindo padrões e atraindo o mesmo tipo de dinâmica disfuncional. Quando mergulho nesse tema com meus pacientes, a psicanálise me mostra que há raízes profundas nessa repetição — e duas delas costumam estar bem entrelaçadas: o apego inseguro e a construção do falso self.

O apego inseguro nasce lá atrás, na nossa primeira infância, quando a relação com as figuras parentais não foi suficientemente boa. Não se trata de culpar, mas de entender. Quando o ambiente falha em acolher, em dar previsibilidade ou quando o amor é condicionado, a criança desenvolve mecanismos de sobrevivência psíquica. Ela aprende, por exemplo, que não pode confiar plenamente no cuidado do outro ou que precisa se esforçar demais para ser amada. Essa insegurança afetiva se internaliza e se manifesta, mais tarde, nos vínculos amorosos. O adulto carrega, muitas vezes sem perceber, um medo latente de ser abandonado ou rejeitado, ao mesmo tempo em que sente dificuldade em se entregar e confiar. É um paradoxo: deseja intimidade, mas teme a vulnerabilidade.

Nesse contexto, surge o falso self. A psicanálise, especialmente com Winnicott, nos ensina que o falso self é uma defesa criada quando o eu verdadeiro não foi acolhido ou validado. Para garantir o amor e a aceitação das figuras importantes, a criança começa a esconder partes de si, sufocar espontaneidades, moldar comportamentos e desejos para se adaptar ao ambiente. Com o tempo, esse falso self se cristaliza e acompanha a pessoa na vida adulta. Assim, nas relações amorosas, o indivíduo pode sentir que precisa desempenhar um papel: o de quem não incomoda, o de quem está sempre disponível, o de quem abre mão de si para manter o outro por perto. Esse processo, silencioso e inconsciente, muitas vezes é a armadilha que mantém a pessoa presa em relações tóxicas.

O mais interessante — e doloroso — é perceber que tanto o apego inseguro quanto o falso self criam um circuito fechado. Um alimenta o outro. A pessoa sente medo da rejeição (apego inseguro) e, para evitar esse medo, se esconde atrás do falso self, sacrificando o próprio desejo, autenticidade e até a autoestima. O resultado? Relações onde o afeto vem sempre acompanhado de angústia, submissão, insegurança ou uma eterna sensação de inadequação.

Muitos pacientes me dizem que “sempre escolhem parceiros problemáticos” ou que “parece que atraem sempre o mesmo tipo de relação”. Do ponto de vista psicanalítico, não se trata de mero azar ou coincidência, mas de uma repetição inconsciente que busca, de alguma forma, reparar aquela primeira ferida emocional da infância. O sujeito, sem perceber, busca no parceiro ou na parceira uma chance de reviver o cenário original, mas esperando agora um desfecho diferente. Porém, enquanto o falso self estiver no comando e o apego inseguro ditar as regras, a tendência é repetir a frustração inicial.

O caminho de saída passa, inevitavelmente, pelo encontro com o self verdadeiro e pela elaboração dessas feridas precoces. É um processo que pede tempo, escuta e acolhimento, tanto na análise quanto na relação consigo mesmo. Não basta apenas identificar o padrão; é preciso dar espaço para que o eu verdadeiro possa emergir, com suas fragilidades, desejos e limites. E esse é um trabalho delicado, que exige muita coragem, pois implica em abrir mão da ilusão de controle que o falso self oferece e em enfrentar o medo do abandono e da rejeição, tão presentes no apego inseguro.

Quando conseguimos trilhar esse caminho, começamos a experimentar uma nova forma de amar e ser amados — mais livre, mais autêntica e, principalmente, mais conectada com quem realmente somos. E é aí que as relações deixam de ser terreno de sofrimento e passam a ser espaço de crescimento e troca genuína.