A evolução do conceito de narcisismo na psicanálise

Hoje eu quero conversar com você sobre um tema que muita gente conhece pelo nome, mas nem sempre entende no sentido mais profundo: o narcisismo. A gente ouve muito esse termo por aí — geralmente usado pra descrever alguém vaidoso, egocêntrico ou “cheio de si”. Mas será que é só isso mesmo?

Na psicanálise, o narcisismo tem uma trajetória bem interessante. Tudo começa com Freud, que foi o primeiro a falar sobre isso de forma mais estruturada. Ele percebeu que o narcisismo faz parte do desenvolvimento de todos nós — ou seja, não é “coisa de gente complicada”, como costumam dizer por aí.

Freud propôs a ideia de que existe um narcisismo primário, que acontece nos primeiros momentos da vida, quando o bebê ainda está se descobrindo como sujeito. Nesse momento, toda a energia psíquica dele — o que a psicanálise chama de libido — está voltada pra si mesmo. É aquele momento em que o bebê se encanta com sua própria imagem, como se estivesse dizendo: “eu sou incrível!”. E tá tudo certo, porque é assim que o ego começa a se formar.

Com o tempo, esse narcisismo vai se transformando. A criança começa a direcionar sua atenção e afeto para o mundo ao redor — para os pais, cuidadores, e outras pessoas importantes. Mas quando as coisas não vão bem — quando há frustração, perda ou dor emocional — essa energia pode voltar toda pro “eu” de novo. É o que Freud chamou de narcisismo secundário. Em alguns casos, isso pode acabar gerando dificuldades na forma como a pessoa se relaciona com os outros ou com ela mesma.

Outros psicanalistas também foram ampliando esse olhar. Melanie Klein, por exemplo, trouxe contribuições importantes ao pensar no narcisismo dentro dos primeiros vínculos da vida. Segundo ela, desde muito cedo, a forma como a gente é acolhido e cuidado influencia muito na maneira como vamos desenvolver nossa autoestima e nossa relação com o outro.

Winnicott, outro nome que eu adoro trazer pra conversa, falava da importância de um “ambiente suficientemente bom” — ou seja, um ambiente em que a criança se sente segura, amada e reconhecida. Quando isso acontece, o narcisismo vai se equilibrando de uma forma saudável. Mas quando esse ambiente falha muito, a criança pode acabar criando defesas, máscaras, e se afastando da sua autenticidade pra se proteger.

E hoje em dia? Bem, o narcisismo continua sendo um tema super atual. Cada vez mais falamos sobre autoestima, amor-próprio, autoconhecimento… Tudo isso tem a ver com o narcisismo. E vale lembrar: ele não é bom nem ruim por si só. Ele pode ser saudável — quando nos ajuda a nos valorizar, a nos cuidar — ou pode se tornar problemático, quando vira rigidez, dificuldade de escutar o outro ou necessidade constante de admiração.

O que eu acho mais bonito na visão psicanalítica é que ela nos convida a olhar pro narcisismo com mais profundidade e menos julgamento. Em vez de rotular, a gente tenta entender de onde vêm essas formas de ser, o que está por trás de certos comportamentos, quais dores estão escondidas ali.

No fim das contas, falar de narcisismo é falar sobre a forma como nos construímos, como nos sentimos no mundo e como nos relacionamos com os outros. E isso, convenhamos, diz respeito a todos nós 😉