Será mesmo que é sobre o outro e não sobre você?
Sabe aquele momento em que alguém faz ou diz algo que te tira do sério? Ou quando uma atitude alheia te fere mais do que o esperado, quase como se tivesse apertado um botão invisível? Nessas horas, é comum pensarmos: “a culpa é do outro”. Mas… será que é mesmo?
Na clínica – e, muitas vezes, na vida – escutamos histórias que parecem girar em torno de alguém externo. Um chefe insuportável, um parceiro distante, uma mãe crítica. Só que, olhando com mais cuidado (e aqui entra Winnicott com sua lente sensível sobre o desenvolvimento emocional), a pergunta que surge é: o que disso tudo diz mais sobre mim do que sobre o outro?
Winnicott, psicanalista britânico que tinha um olhar quase poético sobre o ser humano (algo que eu amo nesse autor), nos ensinou sobre a importância do ambiente na construção do nosso self verdadeiro. Ele dizia que, no início da vida, precisamos de um ambiente suficientemente bom – com um cuidado suficientemente bom. Não é sobre perfeição, mas sobre a presença que acolhe, que sustenta, que entende antes mesmo das palavras.
Quando esse ambiente falha de forma significativa ou repetida, vamos criando defesas. Um “falso self” pode surgir, uma espécie de máscara psíquica que serve para nos proteger, mas que, com o tempo, nos distancia de quem somos de verdade.
E por que isso importa?
Porque muitas das nossas reações emocionais mais intensas, aquelas que parecem ser “culpa do outro”, podem ser, na verdade, ecos de experiências passadas. Situações que nos tiram do eixo hoje podem estar reverberando algo não elaborado lá de trás, um abandono não nomeado, uma frustração não acolhida, uma dor que não teve espaço para existir.
Então, quando você se pegar reagindo com mais força do que gostaria, talvez seja interessante se perguntar: isso que estou sentindo é mesmo sobre essa pessoa ou tem algo aqui que é sobre mim?
Não se trata de culpar a si mesmo. Longe disso. Winnicott não acreditava em culpa como castigo, mas em responsabilidade como caminho de amadurecimento. E responsabilizar-se pelas próprias emoções é um ato de cuidado consigo.
Reagir menos ao outro e mais a partir de si é um sinal de que algo importante está se transformando. Significa que estamos aos poucos nos encontrando com nosso self verdadeiro – aquele que não precisa gritar para ser ouvido, nem atacar para se defender.
A psicanálise, especialmente sob a perspectiva winnicotiana, nos convida a esse encontro com o que é mais genuíno em nós. Um processo que, embora nem sempre confortável, nos permite viver com mais inteireza.
Porque no fim das contas, talvez o que o outro desperta em você diga muito mais sobre você do que sobre ele.




