Depois do Setembro Amarelo: o que fazemos com o sofrimento em outubro?

Todo mês de setembro, a sociedade se mobiliza em torno do Setembro Amarelo, uma campanha essencial para falar de prevenção do suicídio e saúde mental. Mas me inquieta pensar que, de 12 meses e 365 dias do ano, apenas 30 dias se voltam a um tema tão sério. O suicídio, segundo a OMS, é responsável por cerca de 1,5% de todas as mortes no mundo — mais de 720 mil vidas perdidas a cada ano. Diante de números tão alarmantes, por que concentrar o debate apenas em setembro? O que fazemos com os outros meses?

O risco de limitar a discussão a um único mês é enorme. O sofrimento psíquico não segue agenda. A dor, a angústia e o desejo de desaparecer não esperam datas de conscientização. Por isso, é fundamental mantermos viva essa conversa o ano inteiro.

O suicídio não é fraqueza, é um pedido de socorro

Uma das falácias mais cruéis é considerar o suicídio como sinal de fraqueza ou falta de caráter. Isso não só aprofunda a solidão de quem sofre, como também cria barreiras para pedir ajuda.

A psicanálise nos mostra que, muitas vezes, o gesto suicida é a expressão de uma dor que não encontrou palavras. É um grito silencioso, uma tentativa de cessar um sofrimento insuportável quando já não se vê outra saída.

Falar disso com seriedade é uma forma de retirar o estigma e abrir espaço para a escuta. Winnicott, psicanalista inglês, trouxe uma contribuição preciosa para pensar o sofrimento: a ideia de que precisamos de um ambiente suficientemente bom — alguém ou algo que sustente nossa existência quando sozinhos já não damos conta.

Quando um sujeito não encontra no mundo um espaço de acolhimento, cuidado e presença, a vida pode se tornar insuportável. O suicídio, nesse sentido, aparece como sinal de que o ambiente falhou — e de que o sujeito não consegue mais sustentar sozinho o peso de sua dor.

Mas é importante lembrar que o sofrimento não aparece de uma única forma. Há pessoas para quem cada dia é uma batalha contra o vazio, em que até os gestos mais simples — levantar da cama, se alimentar, sair de casa — parecem impossíveis. Para elas, o mundo pesa demais, e qualquer expectativa se torna insuportável.

Mas também há aqueles que continuam funcionando: levantam cedo, trabalham, cuidam da família, sorriem em fotos… e ainda assim sentem que apenas sobrevivem. Seguem a rotina como se estivessem no “piloto automático”, sem conseguir encontrar prazer ou sentido nas próprias conquistas. Às vezes, são justamente essas pessoas, aparentemente “fortes”, que ninguém percebe que estão sofrendo.

O risco é que o sofrimento invisível passe despercebido, reforçando a solidão. Por isso, é essencial ampliar o olhar: não esperar apenas sinais “visíveis” de dor, mas compreender que o suicídio pode ser tanto o grito de quem já não suporta quanto o silêncio de quem segue vivendo sem, de fato, sentir-se vivo.

Enfim, falar sobre suicídio não deveria ser tarefa de um mês, mas um compromisso contínuo com a vida e com o cuidado. Cada história interrompida é também um lembrete de que precisamos de ambientes mais humanos, mais atentos e menos julgadores. Que possamos sustentar o acolhimento como presença constante, porque muitas vezes o simples gesto de estar com alguém já pode significar a diferença entre sucumbir e resistir.

Você não está sozinho.

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