Sinto, logo posto.

Vivemos um tempo em que sentir, sozinho, parece não bastar. A tristeza precisa de legenda, o amor precisa ser fotografado, a saudade precisa virar story. Como se o sentimento só ganhasse validade quando fosse testemunhado por alguém. A dor não é só dor, é conteúdo. A alegria não é só alegria, é um post com trilha sonora. É curioso: a experiência humana, que sempre foi íntima, virou pública, performática. Sentir deixou de ser um movimento interno para se tornar um ato social.

A psicanálise sempre nos mostrou que o sujeito se constrói no olhar do outro. É no espelho, no reconhecimento, que o eu se forma. Mas hoje, esse espelho tem filtros, curtidas e comentários. O olhar do outro vem em forma de notificação. E o desejo de ser visto tomou o lugar do desejo de se conhecer. Já não se trata de viver o sentimento, mas de provar que ele existe. A publicação virou uma forma de legitimar o sentir: “se o outro viu, então é real”.

Só que, ao fazer isso, a gente corre o risco de não sentir de verdade. De transformar o afeto em produto, o desabafo em performance, a dor em engajamento. Publicar pode ser, muitas vezes, um jeito refinado de recalcar: expulso o que não sei lidar, jogo pra fora o que não quero elaborar. O post funciona como defesa — impede o silêncio, corta o vazio. E o vazio, esse espaço de pausa e elaboração, é justamente onde o inconsciente fala.

O “sinto, logo posto” é o novo “penso, logo existo”, mas com uma inversão cruel: não posto porque sinto; sinto porque posso postar. É como se o sujeito contemporâneo tivesse medo de desaparecer se não for visto, medo de que o que sente não exista se não for exibido. Freud diria que há aí um conflito entre o afeto e a representação. Lacan talvez dissesse que é o gozo da imagem, o prazer de se ver sendo visto, mesmo que isso custe a autenticidade do sentir.

Talvez o desafio de hoje seja justamente esse: reaprender a sentir sem pressa de mostrar. Permitir-se o desconforto de viver um afeto sem precisar compartilhá-lo. Ficar um pouco com a dor, com a alegria, com o tédio, sem transformar tudo em performance. Porque, no fim, o que cura não é o que se posta. É o que se escuta.