Por trás do “eu sou assim mesmo” pode ter muito recalque.
“Beijinho no ombro pro recalque passar longe…” — há alguns anos, essa música estava na boca do povo, e junto com ela a palavra “recalque” ganhou popularidade. O problema, para nós psicanalistas, é que ela passou a ser usada como sinônimo de inveja ou despeito, quando na verdade, na psicanálise, seu significado é muito mais profundo e complexo.
Freud definiu o recalque como um mecanismo de defesa do inconsciente. Ele atua como um porteiro invisível, barrando a entrada de conteúdos que provocam ansiedade, vergonha ou culpa. São pensamentos, sentimentos ou desejos que entram em conflito com a nossa autoimagem ou com as regras e valores que internalizamos ao longo da vida. Só que esses conteúdos não somem — eles são empurrados para o inconsciente e, mais cedo ou mais tarde, encontram formas disfarçadas de retornar.
É justamente aí que entra a ligação com o famoso “eu sou assim mesmo”. Essa frase, que à primeira vista soa como autoconfiança, muitas vezes funciona como uma blindagem contra qualquer reflexão mais profunda. É como se, ao pronunciá-la, a pessoa erguesse um muro para se proteger de críticas, de mudanças ou até mesmo do desconforto de encarar partes de si que prefere não ver. Mas, por trás desse muro, o que está escondido continua agindo, e geralmente de modo mais intenso do que imaginamos.
O que foi recalcado pode se manifestar em irritações exageradas, reações emocionais desproporcionais, dificuldades de relacionamento e repetição de padrões que a própria pessoa diz não querer viver. Por exemplo, alguém que sempre responde de forma agressiva a qualquer questionamento pode estar evitando se sentir vulnerável, pois vulnerabilidade foi algo doloroso no passado. Nesse caso, “eu sou assim mesmo” não é apenas um jeito de ser, mas um mecanismo para manter o recalque fora de vista.
A psicanálise nos convida a perceber que esses momentos não são ameaças à nossa identidade, mas oportunidades de nos conhecermos melhor. Em vez de encerrar o assunto com “eu sou assim mesmo”, podemos perguntar: “O que nessa situação mexeu tanto comigo?” ou “Por que isso me incomoda tanto a ponto de precisar me fechar?”. Essas perguntas abrem espaço para contato com o que foi recalcado, e é nesse processo que mudanças reais podem acontecer.
Ter recalques não é sinal de fraqueza (todos nós temos). A diferença está em quem decide manter tudo trancado e quem se dispõe a abrir a porta, com cuidado, para entender o que está lá dentro. Quando reconhecemos essas partes de nós, deixamos de viver no automático e ganhamos liberdade para agir de forma mais consciente. E isso, no fim, é muito mais libertador do que qualquer justificativa pronta.
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