6 coisas que você precisa saber sobre o transtorno bipolar
Falar sobre o transtorno bipolar é, antes de tudo, escutar o sofrimento que insiste em não se encaixar nas formas esperadas. Ainda que seja uma condição clínica nomeada pela psiquiatria, ela nos convida — enquanto analistas — a escutar para além do diagnóstico.
A seguir, compartilho cinco pontos importantes que podem ajudar a refletir sobre essa experiência psíquica tão complexa, à luz de uma escuta que considera a singularidade de cada sujeito.
1. Não se trata apenas de oscilações de humor
É comum que o termo “bipolar” seja usado de forma banal no cotidiano, como sinônimo de alguém instável ou “de lua”. No entanto, o transtorno bipolar envolve vivências psíquicas intensas e radicais, que não se explicam apenas pela ideia de mudança de humor. Na mania, muitas vezes vemos uma tentativa desesperada de se manter funcionando, mesmo quando o mundo interno parece prestes a se despedaçar. Na depressão, pode haver uma queda na capacidade de existir, como se a continuidade do ser estivesse ameaçada.
Winnicott diria que, nessas experiências, há uma falha no ambiente suficientemente bom em algum ponto da história — e o sujeito, para sobreviver, desenvolve formas extremas de organizar seu funcionamento psíquico.
2. Cada caso é único — e o diagnóstico é apenas um recorte
A classificação entre bipolar tipo I, tipo II ou ciclotimia pode ter sua utilidade clínica, mas não dá conta da totalidade do sujeito. Na clínica, lidamos com histórias, não com rótulos. Cada estrutura é atravessada por vivências precoces, traumas, falhas ambientais, defesas e tentativas de reparação. O diagnóstico, portanto, pode ser um ponto de partida — mas nunca deve ser um ponto de chegada.
3. O tratamento vai além do controle dos sintomas
O cuidado com o transtorno bipolar exige mais do que medicamentos. Exige espaço psíquico. Exige presença. Exige escuta.
Na perspectiva winnicottiana, o trabalho analítico se dá como uma experiência emocional corretiva: o analista oferece um ambiente suficientemente bom, onde o sujeito possa retomar o contato com sua espontaneidade, com seu gesto verdadeiro, com aquilo que foi perdido ou nunca pôde ser vivido. Em muitos casos, a instabilidade emocional é um grito por sustentação psíquica — e não apenas um “desequilíbrio químico”.
4. O sofrimento psíquico precisa ser legitimado
Quantas vezes essas pessoas escutam que estão “exagerando”, “dramatizando” ou que “é só pensar positivo”? Uma das violências mais silenciosas que o sujeito bipolar sofre é o apagamento de sua dor. Há uma dificuldade social em sustentar a ambivalência, o excesso, a intensidade. No entanto, só é possível transformar algo quando esse algo é primeiro reconhecido.
Na análise, o sujeito encontra a possibilidade de existir sem precisar performar estabilidade. Ali, ele pode oscilar, regredir, colapsar — e ainda assim ser acolhido. Como diria Winnicott, o verdadeiro self só se desenvolve quando encontra um ambiente que o suporte em sua vulnerabilidade.
5. O vínculo cura mais do que qualquer técnica
Ainda que a medicina tenha um papel essencial no tratamento do transtorno bipolar, especialmente na regulação do sono e do humor, é a experiência de vínculo que promove transformação subjetiva. O ambiente analítico, com sua constância, sua disponibilidade e seu não-julgamento, pode se tornar aquele espaço em que o sujeito se reencontra consigo mesmo — não como alguém “bipolar”, mas como alguém que sente, que luta, que resiste.
6. Um dos maiores desafios clínicos — e uma das experiências mais potentes
Na experiência clínica, o paciente com transtorno bipolar é, muitas vezes, um dos mais desafiadores — senão o mais desafiador — que chega ao consultório. Não por ser “difícil”, mas porque ele nos confronta com a oscilação constante entre excesso e vazio, entre o tudo e o nada, entre o agir impulsivo e o colapso do desejo.
É preciso estar muito presente para sustentar o vínculo quando ele está em estado maníaco e não vê sentido em estar ali, ou quando mergulha em uma depressão profunda e mal consegue falar. É preciso suportar o não-saber, o caos, o cansaço e, muitas vezes, a sensação de impotência.
Mas também é verdade que, quando esse vínculo se sustenta — mesmo nos momentos mais difíceis —, algo muito transformador pode emergir. Porque o sujeito bipolar, quando encontra um espaço onde pode ser atravessado pela própria verdade sem ser corrigido ou silenciado, nos ensina sobre a potência de viver entre extremos, e sobre o valor de uma escuta que não desiste.
Falar sobre o transtorno bipolar é também falar sobre o desafio de habitar um mundo interno que, às vezes, não encontra lugar no mundo externo. E é nisso que a psicanálise, com sua escuta ética e implicada, pode oferecer: um espaço onde a dor tem direito de existir, sem precisar ser negada, medicada ou silenciada imediatamente.




